Jennifer
tinha 3 anos, os olhinhos finos e um meio sorriso nos lábios. Cabelos
encaracolados e um pouco de remela nos olhos; Marcosaurélio, 5 anos, era mais
desconfiado e queria se aproximar mais dele, apesar de tímido. Foi chegando
pertinho aos poucos; Kellen, de apenas 2 anos, tinha os bracinhos muito magros
e a pele marrom. Era sapeca e foi logo passando as duas mãozinhas no rosto
dele, sentindo o pinicar da barba; Uiliam era o mais cara fechada. Tinha 4 anos
e não queria conversar. Mas não se afastou dos outros, ficando também em volta
dele.
***
Ele atravessou a cidade para
fazer a reportagem. Era uma daquelas pautas de que tanto gostava – retratar a
realidade da vida das pessoas esquecidas no meio da confusão da existência.
Quando chegava numa rua em que,
de um lado, havia casas e, do outro, mato, sabia que estava realmente na
periferia de tudo. Foi o que aconteceu
quando avistou seu destino – a creche de muro amarelo e portão vermelho.
Sua missão era até simples.
O jornal iria fazer um caderno especial sobre as creches da prefeitura que
passavam por dificuldades, com a eterna falta de verba para manter os filhos de
pais que não tinham com quem deixá-los.
***
Uiliam
foi, aos poucos, se aproximando dele, de olho no caderno de anotações e nas
frases ali rabiscadas; Kellen já estava sentada na perna dele, mexendo na máquina
fotográfica e fazendo careta para futuras fotos; Marcosaurélio perdeu o medo e passava
seu carrinho azul pela barriga dele, com se fosse uma estrada montanhosa; Jennifer
ia chegando mais perto, devagarzinho.
***
Ele foi recebido pela
diretora da creche, que abriu todas as portas, consciente da força da imprensa.
Ela falou das dificuldades e mandou recados a quem pudesse ouvir.
Foram então para o pátio,
onde as crianças brincavam descendo no escorregador e afundando na areia. Ele foi
conversando com uns e outros, mas a meninada queria mesmo era sair nas fotos.
***
Marcosaurélio
tomou coragem e pulou no colo dele, seguido por Kellen. Uiliam foi atrás e
Jennifer também, para sua surpresa.
**
Depois de meia hora de
brincadeira com as crianças no pátio, a diretora se aproximou meio sem jeito e
disse que queria lhe pedir uma coisa: “Se não quiser, não tem problema. Pode
dizer que não”.
**
Um tanto perdido no meio da
criançada, ele nem notou quando os dois meninos e as duas meninas foram se
aproximando aos poucos, meio com vergonha, levados pela diretora.
**
De
repente, a vida parecia começar a passar em câmara lenta. Jennifer,
Marcosaurélio, Uiliam e Kellen olhavam para ele de pertinho. Um a um, iam
passando as mãos em seu rosto, até chegarem à barba grossa e espessa. Faziam
uma mistura de carinho e exploração.
**
O relógio também parecia
passar em câmara lenta no meio daquela tarde. O pátio foi sumindo em volta,
deixando a casa amarela da periferia cada vez mais longe, em direção a um
futuro que jamais existiria...
**
Marcosaurélio,
Jennifer, Uiliam e Kellen não cabiam de alegria ao lado dele. Achavam que não
ia dar tempo de ir em tudo. Do carrossel à roda gigante; do carrinho bate-bate
ao minhocão. Será que a gente pode voltar no domingo que vem?
**
Depois
do banho e do jantar, era hora de preparar o lanche para a aula do dia
seguinte. Será que a gente pode ir lá naquele parquinho da escola na hora do
recreio, onde um monte de meninos fica brincando?
**
No
final do ano, iriam sair para ver as luzes de Natal, naquele bairro de árvores
grandes. Quantas luzinhas enfeitavam as ruas e deixavam tudo tão iluminado. Será
que podemos também enfeitar a casa da gente?
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A diretora olhou o relógio, controlando
a hora de levar as crianças de volta para as salas. Estava também preocupada
com o tempo. Se chovesse, ia ter de colocar todos no salão, onde não havia
goteiras.
**
Jennifer
soltou uma gargalhada deliciosa e gritou, pulando na cama: Ah, eu sei que o
coelhinho da Páscoa é você!!! Ele não existe!!
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Marcosaurélio
estava de olhos bem abertos, encantado, vendo o livro grande e colorido do
museu com a imagem da Mona Lisa na capa, com um meio sorriso só para ele.
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Uiliam
olhou no espelho e ajeitou a camisa de futebol, que parecia um pouco grande.
Estava com medo, mas feliz de ter sido chamado para o time principal que iria jogar
no domingo.
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Kellen
não cabia em si de alegria, com a roupa de balé e aquelas sapatilhas que
apertavam tanto os pés. Queria chamar a mãe para ir ver a apresentação daquela
tarde.
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Por fim, a diretora levantou-se
e tocou o pequeno sino, anunciando o fim do recreio e do lanche. O relógio
começou de novo a andar depressa, destruindo a câmera lenta que levava aos
sonhos. Daqui a pouco, as mães, muitas com pressa para preparar o jantar e
dormir cedo, começariam a chegar.
**
As
mãozinhas de Marcosaurélio, Jennifer, Uiliam e Kellen foram se afastando aos
poucos da barba dele, de volta à realidade.
**
A diretora e ele estavam
sozinhos no pátio. Ela se aproximou meio sem jeito, e disse que queria lhe
pedir uma coisa: “Se não quiser, não tem problema. Pode dizer que não”.
Diante do silêncio conivente
dele, ela falou: “É que tem umas crianças aqui querendo saber se podem pegar em
sua barba. Eu queria perguntar se você deixa”.
Sem entender bem tudo
aquilo, ele disse, da forma mais simples:
-- É claro que podem.
Ele ouviu, então, uma das frases
mais marcantes de sua carreira, que ficaria retumbando em sua mente pelo resto
da vida:
-- Elas pediram para passar
as mãos na sua barba porque nunca tiveram um pai...
**
Ele fechou o portão vermelho,
deixando para trás a creche de muro amarelo que ficava no fim do mundo e entrou
no carro.
Ligou o motor, deu a
partida, virou a esquina e parou. Segurou com força o volante com as duas mãos e,
então, chorou.
Chorou muito, como se fosse
chorar para sempre, sem conseguir evitar que a realidade da vida engolisse seu coração
de repórter.
Simplesmente lindo
ResponderExcluirPaula, obrigado pelo pelas duas palavras - simplesmente lindas!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVc continua um barbudo revolucionário, chorão e que gosta de fazer os outros chorarem. #lindo
ResponderExcluirÍris, sua sumida, esse negócio de revolucionário que chora parece coisa daquele outro barbudo, que falou em endurecer sem perder a ternura, jamais...
ExcluirParabéns, professor, por se permitir viver isso com eles é chorarem por permitir a eles tocar a barba de alguém que tem amor no coração.
ResponderExcluirClaudia, querida, só quem tem amor no coração percebe quem tem amor no coração. Obrigado pela palavras carinhosas!
Excluiré muita tinha azul nas veias, é muita tinta vermelha no coração! obrigada, caro jornalista!
ResponderExcluirMuito legal, João. Continue cultivando sua barba e publicando boas histórias como essa.
ResponderExcluirEntre os corredores do SG eis que surge, em meio aos ditos grandes mestres, você João. Simplesmente o cara de que jamais iremos nos esquecer. Obrigado, viu?
ResponderExcluirChorei junto com o barbudo! Texto lindo, João!
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